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DA MÚSICA À ALMA

Em meus anos de experiência formando cantores e músicos de diversas faixas etárias, a música me ensinou muito sobre as capacidades inatas do ser humano.

Ainda na segunda metade dos anos 90, quando ajudei a estruturar e pôr em prática as primeiras oficinas interdisciplinares do Collegium Musicum de Buenos Aires, fundindo o aprendizado de música com outras matérias tais como literatura ou expressão corporal, redescobri na docência algo que já havia experimentado como estudante de artes: o aprimoramento das habilidades artísticas — se orientado criativamente — pode desatar as amarras mais profundas, os entraves mais incômodos, libertando corpos, arejando mentes. Apesar da padronização limitante do sistema educacional, o estudo de artes tem o potencial de ser o caminho mais natural para o pleno desenvolvimento de uma pessoa, em suas próprias características.

A disseminação de conhecimentos gerais é tão importante para a manutenção de uma cultura, quanto o desenvolvimento artístico para o aperfeiçoamento da integridade individual.

Mas apesar da bela lição, ao longo de mais de uma década trabalhando no mercado das escolas de formação e profissionalização musical — tanto na Argentina quanto no Brasil —, uma triste realidade foi se mostrando inegável: a maioria dos cantores, amadores ou profissionais, está doente. As escolas formam alunos com todo tipo de problemas, abrangendo respiração, articulação, base, postura física e tensões corporais diversas, que estão na fonte de todo estresse vocal — com cada caso trazendo sempre um reflexo do estado psicológico do indivíduo. Na UNB (Universidade Nacional de Brasília) eu adaptei técnicas de respiração e flexibilidade, próprias ao canto popular, para sanar os inúmeros problemas provocados pela clássica rigidez dos exercícios de canto erudito.

 

Durante meu periodo de trabalho na EMB (Escola de Música de Brasília) como professora da instituição e coordenadora dos Núcleos de Música Popular e de Prática de Conjunto, estruturei os núcleos de Canto Popular, Prática de Conjunto e todo o Núcleo de Música Popular, criando o programa básico e técnico de Canto Popular e sua apostila, introduzindo uma fonoaudióloga, a fim de situar a saúde fisiológica no cerne dos diversos cursos oferecidos e coordenando a criação de programas e apostilas para os outros núcleos populares.

Tudo o que aprendi sobre a fisiologia da voz humana, nessa época, não tem preço. Minha forma de preparar cantores e músicos se aperfeiçoou rapidamente, com óbvios benefícios para os alunos. Mesmo assim, apesar de eficazes, tais medidas, por si só, não bastaram. Tratar sintomas é um começo, mas, sem um maior aprofundamento, quase sempre impraticável nas condições de uma escola “normal”, não há como identificar a causa e definitivamente sanar um problema, solucionar uma dificuldade... E, para não falar somente dos entraves vividos pelos cantores, ainda há a questão das metodologias ultrapassadas, quase um tabu do meio acadêmico, prejudicial a todos os músicos em formação.

Realizei diferentes palestras sobre a defasagem das metodologias de ensino de música, destacando-se a palestra Teoria para Música Popular, ministrada ao corpo docente da Escola de Música de Brasília na Semana Pedagógica de 2003.

Os métodos de ensino convencionais, nascidos da música clássica européia, sempre deixaram a desejar no meio não-erudito. Nunca corresponderam às verdadeiras necessidades, no aprendizado de música, de quem quer ser sambista, saxofonista de Jazz ou compositor de canções, por exemplo. Quando os eminentes músicos que fundaram a primeira escola de música popular especializada, a Berklee, nos Estados Unidos, se reuniram, a falta de métodos específicos foi sua principal dificuldade. O grupo terminou por desenvolver uma inovadora metodologia, hoje utilizada no mundo inteiro para formar músicos populares profissionais, em todos os estilos.

As técnicas e noções aplicadas em meus cursos e aulas particulares foram desenvolvidas tendo como referência a metodologia Berklee.

Sua eficiência está em desenvolver um músico ativo e improvisador, treinado em métodos de percepção auditiva especializados, com o ouvido relativo plenamente desenvolvido, uma afiada noção intuitiva de tonalidade, capaz de identificar imediatamente acordes e intervalos, ler cifrados fluentemente, reconhecer escalas típicas, modais e alteradas, assim como dominar harmonia funcional.

Para os cantores de um modo geral, a vantagem destas técnicas está em trabalhar respiração, ressonância, projeção e firmeza, com renovada atenção, sem se perder do objetivo principal, que é aperfeiçoar a voz de cada aluno em suas características específicas, conquistando flexibilidade, timbres mais pessoais, dinâmicas mais ousadas, uma gama mais generosa de colocações e ritmos complexos — como, por exemplo, o ritmo sincopado, o contratempo e o swing —, visando maior liberdade e conferindo novas ferramentas à criatividade e à expressão individual dos cantores.

Para compreender melhor e dominar esse novo universo didático, eu precisei abandonar a educação genérica das academias, fugir da mecanização dos sistemas unificados de ensino, escapar dos currículos obrigatórios, enfim, eu precisei sair das escolas. Hoje eu desenvolvo classes em meu próprio estúdio de música, equipado com instrumentos midi, computadores, amplificação profissional e sala acústica para gravações e ensaios, num espaço com ampla área verde para exercícios e atividades especiais.

Além das aulas, meu amor pela música me levou a diversas outras linhas de trabalho, como a produção, a criação e a gravação de CD's — serviço do qual meus alunos mais se beneficiam — e também de trilhas sonoras para dança, teatro e cinema, uma paixão para mim. Nada me orgulha mais do que saber que vários alunos e ex-alunos, queridos e talentosos, compuseram suas primeiras canções e gravaram seus primeiros trabalhos aqui mesmo, em meu estúdio.

Com todo o cuidado, eu fiz a preparação e a direção vocal do CD de estréia de Carol Fazu, cantora, compositora, atriz de teatro e televisão, do CD de estréia da cantora Gisele Meira, E um Verso Vem Vindo, com as canções de Paulo Cesar Pinheiro, e também a preparação vocal do compositor e intérprete Clodo Ferreira, durante as gravações de seu CD Clodo Ferreira Interpreta Sinhô. Com muito carinho, fiz a produção geral, os arranjos, a gravação e toda a parte gráfica do CD demo da cantora Alice Accorsi, assim como do CD de músicas infantis Cantar e Brincar na Escola, em parceria com J.G. Pinheiro; este último trabalho apresenta a voz da cantora Gisele Meira acompanhada por corais de alunos pré-escolares da Montessoriana Escola Infantil — a gravação foi uma loucura! 

Também em parceria com J.G. Pinheiro, assinei com muito orgulho a trilha sonora do curta-metragem Sandra, um filme de suspense arrepiante dirigido por Allex Medrado, do coletivo de cinema Caliandra Filmes, e do videodança Retina, do grupo Margaridas Dança, dirigido por Laura Virgínia e publicado em DVD. Assinei a gravação, a edição e a masterização, tanto da trilha sonora quanto do som em off, da obra de teatro Eu Estava em Casa e Esperava a Chuva Chegar, do dramaturgo Jean-Luc Lagarce, apresentada pela embaixada da França no Brasil em março de 2007, assim como do espetáculo de dança, Rainha, outra obra do Margaridas.

Nos últimos anos a parceria com J.G. Pinheiro no VAL KLAY STUDIO também rendeu trabalhos de designe e arte, como o projeto gráfico do CD de lançamento Primeiro Impacto da cantora brasiliense Virginia Feu Rosa em 2016, a criação e produção do show Señales, Um Mergulho no Rock Argentino lançado por Val Klay no Clube do Choro de Brasília no 2013 e o programa de canto e música no YouTube  VEM DA VAL, lançado no 2015.

Hoje, com mais de duas décadas de experiência, continuo preparando cantores, ao nível profissional ou não, já que amo acompanhar o pleno desabrochar de uma voz, processo que resulta sempre rico e transformador para qualquer aluno. Do mesmo modo, continuo ditando aulas de musicalização porque, sem falsa modéstia, sei que possuo ferramentas mais adequadas à formação de qualquer músico popular, tanto cantor quanto instrumentista, do que as que oferecem a maioria das escolas de música, que ignoram o que não pode ser atingido por meio de metodologias convencionais.

A voz como um mergulho na alma e a descoberta da própria percepção como um modo mais natural de assimilar os rudimentos e técnicas da música.

 

Val Klay
 

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